Dados mais recentes revelam um ensino superior mais dinâmico e tecnológico, mas ainda cheio de desafios para docentes e alunos
Um país continental, com mais de 200 milhões de habitantes, em pleno desenvolvimento, e com uma massa de pessoas que necessitam da educação superior para conquistar seu espaço no mercado de trabalho e contribuir com a produção científica. Isso num território conhecido pelas deficiências e desigualdades no campo educacional. Esse é o retrato do Brasil em 2023, e é inimaginável abordar essa perspectiva sem antes refletir sobre os desafios da docência no ensino superior, considerando que essa tarefa passa totalmente pela figura do professor.
Entre 1991 a 2019, o percentual da população brasileira com um diploma do ensino superior cresceu de 10,5% para 19,3%, de acordo com o IBGE. Políticas públicas e investimentos que facilitaram o acesso ao curso superior são umas das explicações para que esse percentual tenha quase dobrado em 28 anos. No entanto, esse número não reflete necessariamente um crescimento no número de docentes, já que o Censo da Educação Superior de 2021 mostra que, no período entre 2011 e 2021, o saldo de docentes é de apenas pouco mais de 1400.
É verdade que esse cenário já foi melhor. Inicialmente, é preciso pensar que a pandemia afetou duramente o ensino superior, e o fato do Censo da Educação Superior de 2021 – dado mais recente – refletir um cenário de forte crise sanitária, coloca ainda mais questionamentos sobre a qualidade dessas comparações. Mas a desaceleração na criação de postos de trabalho se iniciou antes da pandemia, em 2019. O ponto histórico mais alto foi em 2015, com 388.004 docentes no país, contra 358.825 em 2021, quase 30 mil a menos no período de 6 anos.
O estudante médio que ingressa no ensino superior hoje é uma mulher jovem, na casa dos 19 anos na graduação presencial, e 21 na modalidade de ensino a distância. Mas quando ela se depara com o docente médio, ele é majoritariamente masculino e na casa dos 40 anos.
Essa diferença de gênero também é exponencial quando comparados com outros docentes do ensino básico, em que 79,2% dos professores são mulheres, contra 52,98% de professores homens na educação superior. Com foco na diferença salarial entre os níveis de ensino, fica fácil observar como os homens ainda levam a melhor. Já quanto ao grau de formação, cerca de 69,4% tem doutorado, 22% mestrado e 8,6% especialização.
Questões crônicas
Para refletir sobre os desafios da docência no ensino superior, é preciso primeiro aprofundar mais nas particularidades da educação brasileira. Entendendo que a educação superior vem como uma continuidade da educação básica, para entender as dificuldades cotidianas dos docentes é inevitável entender as deficiências dos ensinos fundamental e médio.
O pedagogo e docente do UniFACTHUS, Bruno Inácio, é enfático nesse quesito. Para ele, as deficiências no ensino superior já começam com os problemas trazidos pelos alunos da educação básica, com falhas na formação integral dessas pessoas. Também docente da educação básica, o doutorando é um especialista na área. “O aluno não tem a perspicácia em entender que ele faz parte da sociedade, porque os conteúdos abordados em sala estão muito distantes da sua realidade”.
Egresso do ensino público, o professor reflete que, recebendo alunos sem essa devida formação, os docentes do ensino superior precisam trabalhar essas questões com os estudantes, para que eles consigam se entender como parte da sociedade.
Os discentes também sofrem com falta de pré-requisitos e conteúdo e dificuldade em organizar seus objetivos profissionais a longo prazo. “O aluno chega cheio de sonhos, mas tem dificuldade em organizá-los. Quando o questionamos como ele se vê em alguns anos, existem dificuldades em fazer esse movimento, porque ele não foi estimulado na educação básica”, explica.
Já para o pedagogo e docente da UniBRASÍLIA EaD, Rafael Moreira, entre os desafios da docência no ensino superior hoje está a formação com qualidade. Para ele, houve um aumento muito significativo de instituições de ensino que não dão a devida atenção para essa fase fundamental de formação profissional desses estudantes.
“É necessário que tenhamos um olhar mais profundo, que vá além de ter o entendimento sobre ter um nível superior, mas a qualidade do mesmo. Isso implica em inúmeros fatores, inclusive das políticas de incentivo ao estudo”, expõe o especialista.
Ele também argumenta que há, no ensino superior, alguns problemas em relação à educação básica. Segundo Rafael, muitos professores do ensino superior ainda estão presos nessas fases iniciais da educação, e transportam para o nível superior uma sobrecarga para a docência. “É fundamental que o nível superior seja entendido como uma fase diferenciada do contexto educativo, inclusive para a autonomia e produção de novos saberes, novas descobertas e a própria construção do conhecimento”, explica.
O professor também fala sobre a importância da valorização dos docentes, inclusive com melhores remunerações.
EaD e novas perspectivas
Uma das mudanças apresentadas pelo Censo da Educação Superior 2021 que chamou mais atenção foi o crescimento da modalidade de ensino à distância. Com os avanços tecnológicos, uma pessoa pode ter acesso à educação de qualidade apenas com a devida conexão à internet. Num país continental e com desafios logísticos imensos, essa possibilidade é um alento. O recurso foi ainda mais impulsionado pela pandemia, que obrigou milhões de estudantes e docentes a recorrerem à modalidade em meio às medidas de isolamento.
O professor Rafael Moreira observa que essa revolução é “um futuro presente com muitas questões que precisam ser pontuadas”. Para o docente, esse crescimento da modalidade é uma mudança necessária, principalmente no pós-pandemia, e que gerou novos olhares e práticas, além de acessos em universos que estavam distantes.
“A EaD deixou de ser uma modalidade em que o PDF era um recurso praticamente característico. Agora temos múltiplas funções e ferramentas com recursos que aproximam o ensino onde quer que o outro esteja”, explica.
No entanto, ele chama a atenção para os desafios da docência no ensino superior pela modalidade EaD. “Temos que ter cuidados com os excessos e desvios de características dessas mudanças. A educação sempre será educação, o professor deve ter atenção, formação e intencionalidade pedagógica para que os fins profissionais sejam cumpridos”.
E para que os desafios na docência do ensino superior brasileiro sejam devidamente enfrentados, essas questões precisam ser sanadas com urgência. É que esse crescimento da modalidade EaD já abarca cerca 41,4% das matrículas nessas instituições. Nos graus acadêmicos de Licenciatura e Tecnólogos, os cursos à distância já são maioria, com 61% e 77,5%, respectivamente.
Bruno Inácio, nosso outro especialista em Pedagogia, e professor também pela modalidade EaD, argumenta que entre os maiores desafios dessa nova forma de formação está justamente deixar claro para o aluno que ele tem uma forte corresponsabilidade em seus processos de aprendizagem. De acordo com o professor, no surgimento do ensino à distância, a aproximadamente uma década, era muito presente a questão do professor ser responsável por esse processo, mas que com as metodologias ativas e a “sala de aula invertida”, houve uma mudança considerável.
“Se o aluno não perceber o professor como um suporte, um aliado, mas que ele é o protagonista da formação, não funciona. É preciso estimulá-lo para que ele entenda que, na educação digital, ele é quem está no centro”.
Longo Caminho
Quando falamos sobre educação brasileira, independente do nível, a discussão é sempre muito ampla. E não poderia ser diferente num país como o nosso. Mas tendo um olhar mais direcionado, é possível interpretar os números e relatos para apurarmos os desafios da docência no ensino superior hoje, de forma mais direta.
Olhando para as contribuições dos dois pedagogos citados na matéria, eles são unânimes no apontamento correto de políticas públicas. Para ambos, elas precisam seguir garantindo o acesso das pessoas ao ensino superior.
Rafael Moreira é enfático ao que ele chama de “comercialização do ensino superior”. “As políticas públicas precisam ser ampliadas e até mesmo revisadas. O ensino superior não pode ser vendido como mercadoria”, observa.
Ele destaca também a responsabilidade dessas instituições de ensino. “É necessário que saibamos diferenciar os cursos técnicos, tecnológicos e superiores. Cada um está em uma esfera diferenciada, mesmo trazendo contribuição para a formação social do sujeito. E claro, as instituições precisam integrar o ensino superior como fase de contribuição profissional, e não apenas como composição curricular de mais uma etapa acadêmica”.
Já o pedagogo Bruno Inácio chama a atenção não só para o acesso, mas também para a permanência desses estudantes nas instituições de ensino. “Estamos em avanço, temos que comemorar, mas ainda há um longo caminho a ser trilhado. As políticas públicas devem, acima de tudo, garantir condições de permanência desse estudante no ensino superior. Muito mais complexo que o ingresso é a permanência”, explica.
O especialista explica que é preciso também um olhar especial aos primeiros períodos dos cursos, na busca de conhecer esse estudante na sua integralidade e auxiliá-lo nas dificuldades e o aproximá-lo da sociedade.
(Texto: Bruno Corrêa – Assessoria de Comunicação do Ecossistema Brasília Educacional)