A educação antirracista como resposta à exclusão

20 de novembro de 2023

Num país profundamente desigual, caminho na luta contra o racismo estrutural e estruturante passa pela educação Desde que os colonizadores aqui colocaram os pés pela primeira vez, em 1500, nossa sociedade inaugurou uma longa jornada de desprezo e aversão a tudo que não era europeu. A partir daí, o Brasil se tornou um país racista. Os mais variados indicadores socioeconômicos não discordam: neste país os brancos vivem melhor que os não-brancos. O caminho para modificar essa realidade é complexo e passa pela educação antirrascista, uma proposta que propõe utilizar o conhecimento como ferramenta de combate ao racismo. Mas se os mais de quinhentos anos de racismo nos fizeram criar uma longa teia de comportamentos e disparidades cruéis, falar sobre o assunto não é tão simples. A educação antirracista propõe que, para se combater o racismo, é preciso inicialmente assumir que ele exista. E essa tarefa não é fácil e requer despertar nos mais variados interlocutores a necessidade dessas conversas, cada qual com sua responsabilidade. Em pesquisa realizada pelo Instituto Peregum em parceria com o Projeto Setae – ambos representantes do ativismo negro no país – e o Ipec mostra que 81% dos brasileiros assumem que há racismo no Brasil. Dentre os entrevistatodos, 88% afirmam que negros são mais criminalizados que brancos, e 84% acreditam que pretos e pardos recebem tratamento policial diferente. No entanto, a situação muda quando a responsabilização é levada em conta: somente 11% assumem ter algum tipo de comportamento racista. Outros 10% acreditam trabalhar numa instituição racista, e 12% concordam que há racismo no ambiente familiar. É olhando para essa lacuna onde existe o racismo, mas quem o pratica é sempre o outro, que é preciso buscar maneiras de abordar a educação antirracista. A pesquisa do IBGE mais atualizada, a PNAD contínua 2022, mostra que cerca de 57% da população brasileira não se identifica como branca. Por outro lado, quando se observa a inserção dos não-brancos no ambiente profissional, somente 29,5% dos cargos gerenciais eram assumidos por eles. Em 2021, só 19,1% dos proprietários rurais no país eram pretos ou pardos, e a taxa de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza dobra ou quase dobra quando comparados os brancos e os pretos e pardos. As taxas de violência também são uma boa amostra do quanto o racismo estrutural é predominante na sociedade brasileira. De acordo com os dados, o índice de homicídio para pessoas brancas em 2021 foi de 11,5 para cada 100 mil habitantes. Já o mesmo indicador mostra que esse índice foi de 21,9 para pretos e 34,1 para pardos. Garantia por lei O docente e diretor da Faculdade UniBRAS Santa Inês, José Nilton, é categórico em afirmar que a inclusão dos negros e de qualquer minoria racial passa pela educação. Como um homem negro, ele conta ter tido a oportunidade de frequentar espaços dedicados a educação, e que foi exatamente os estudos que o fizeram se identificar e autoafirmar como um homem negro, e se engajar na causa. Nascido de uma família pobre, ele conta que no passado não tinha essa consciência, e por isso acabava relevando situações de racismo como algo a não ser enfrentado. Hoje, ele argumenta que não se deixa intimidar. “Depois que eu me descobri como homem negro, a historia mudou. Hoje não aceito, em hipótese alguma, qualquer demonstração de preconceito, seja qual for”, relata o docente. Para José Nilton, é sempre muito importante, como um educador em sala de aula, ter orgulho de sua negritude. E entende que o diálogo e a partilha de experiencias são as melhores formas de se abordar a educação antirracista no ambiente escolar. “É preciso fazer com que o outro entenda que, dentro da sala de aula, nós professores também somos alunos. Somos todos uma comunidade, que tem o objetivo único de aprender. E eu como professor sou apenas um medidador”. Como um religioso da Congregação Marista, o docente entende que levar uma educação inclusiva e se levantar contra qualquer discriminação é um dever pessoal, e relata que durante décadas de profissão essa postura tem obtido muito sucesso. A experiência de José Nilton não só é muito válida, como também é lei. Já preparado para uma educação antirracista, desde 2003 o Brasil conta com legislação sobre o ensino de história e cultura negra na grade curricular de todas as escolas, sendo responsabilidade das instituições e autores abordarem a diversidade racial. Também há jurisprudência que garante o direito das crianças sobre os estudos dos povos originários. Mas entre a legislação e a prática há inúmeras brechas, e desde então tem sido uma luta de movimentos sociais para a inclusão desses conteúdos na grade curricular de forma efetiva, com resistência de profissionais da educação, pais e alunos. Também há desafios na correta abordagem da temática, o que acaba gerando certa complexidade pela multiplicidade de realidades Brasil afora. O pedagogo e docente do Centro Universitário UniFACTHUS, Bruno Inácio, diz não ter dúvidas que o racismo atrapalha na inclusão de pessoas na educação e no mercado de trabalho. “Nossa história é muito cruel com pessoas negras. Muitas vezes são pessoas marginalizadas pela sociedade, que têm dificuldades em conseguir um emprego com renda compatível com sua função. É só perceber que, nas escolas das periferias, a grande maioria dos alunos são pardos ou pretos”, relata. O relato do docente é compatível com os dados raciais sobre a educação no Brasil. No Enem de 2021, como exemplo, 72,1% dos estudantes brancos que se inscreveram para o exame compareceram para realizá-lo. No caso dos pretos esse percentual caiu para 60,2%, e os pardos 62,9%. Um pouco acima, mas ainda abaixo da média dos brancos, também estavam os asiáticos, com 65,8%. O índice se complica ainda mais quando se olha para os indígenas, em que somente 55,3% compareceram para realizar a prova. Para o professor, é inegável que o racismo estrutural atrapalha no desenvolvimento dos alunos, principalmente as questões que estão veladas. No caso do bullying, na educação básica e infantil, Bruno argumenta que o racismo frequentemente aparece em meio às discussões, e por isso passa pelo combate ao racismo falar sobre tolerância, e tratar das habilidades socioemocionais e humanitárias dessas crianças. “Na educação infantil, é comum o aluno começar a perceber sua identidade, e se perceber diferente. É comum que essas crianças abordem um assunto ou outro, ou xinguem outro colega. Nesse caso, não podemos dizer que essa criança é racista, porque se trata de uma fase de formação, é algo que ainda está se construindo. É nesse momento que o professor deve sentar com essa criança e trabalhar questões como identidade e cultura”. Já no ensino superior, Bruno explica que seu maior contato com alunos negros é justamente em cursos de licenciatura em que leciona, por ter um valor de mensalidade mais acessível. Em algumas turmas há presença de mais de 50% de negros. Para o docente, apesar do imenso potencial, os alunos acabam apresentando algumas questões pelo tratamento que receberam ao longo de sua vida. “Foi transmitido à eles, durante sua existência, que a cultura deles vale menos que a cultura do outro. Gira em torno de uma tentativa de sobreposição de cultura, como se houvesse uma melhor que a outra”. O pedagogo explica também que, tradicionalmente, as regiões com maior presença de pessoas não-brancas, ou seja, os bairros mais afastados, têm menos acesso a centros culturais, como cinemas e teatros. Nesse caso, a inclusão também passa por levar essas pessoas a frequentarem esses espaços, para terem o privilégio de verem o novo, o diferente, e poderem explorar suas potencialidades. (Texto. Bruno Corrêa – Assessoria de Comunicação do Ecossistema BRAS Educacional)

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